José Pedro de Sant'Ana Gomes (1834-1908) foi um compositor e personagem importante da história da cidade de Campinas.
Sua infância foi marcada pela convivência com o seu irmão mais jovem, Antonio Carlos Gomes, e pelos ensinamentos musicais recebidos de seu pai nas aulas e na participação, como clarinetista, na banda marcial também de Manuel José Gomes.
José Sant’Anna Gomes foi o irmão mais velho que Antonio Carlos Gomes precisava para cumprir seu grande destino. Unidos também pelo amor à Música, dádiva que generosamente lhes fora legada pelo rigoroso pai, Manoel José Gomes, eram “gêmeos” nascidos com dois anos de diferença.
O início da atividade musical de Santana se confunde com a de Carlos Gomes, dois anos mais jovem. Conhecidos como Juca Músico e Tonico, cultivaram desde a infância uma grande amizade que os uniria por toda a vida. Estudaram nas mesmas escolas, compartilharam as temidas aulas de música do Maneco Músico, auxiliaram o pai nos serviços musicais na igreja e tocaram juntos na banda de música.
Após o falecimento do pai Manuel José Gomes, em 1868, José Pedro de Sant’Anna Gomes trabalhou na Igreja em substituição a seu pai. Sant’Anna regeu ainda a Orquestra do Teatro São Carlos e trabalhou na Igreja substituindo o pai, e compondo a música para a inauguração da Matriz Nova (atual Catedral Metropolitana de Campinas), depois de mais de 70 anos de construção. A inauguração se deu a 8 de dezembro no dia consagrado à padroeira, Nossa Senhora da Conceição, de 1883. A sucessão de Manuel José Gomes pelo seu filho José Pedro de Sant’Anna Gomes na Igreja, não se deu no nível de vinculação profissional (como era a atuação de Manuel José Gomes), mas aconteceu no nível de atuação musical e composição de peças sacras.
Foi Sant’Anna Gomes, pelos relatos de seus biógrafos e historiadores da época, quem conhecia o potencial musical do irmão, Carlos Gomes, e o estimulava a se apresentar onde vislumbrasse possibilidades. Ao lado dele, irmão mais velho, é que o Tonico percorria salões em casas senhoriais, sítios e fazendas da região, para fazer música e exibir-se, primeiro, como instrumentista talentoso e cantor de boa voz, depois como compositor de modinhas e canções ao gosto comum das pessoas, e também, na esfera mais erudita, como autor de Missas, oratórios e páginas para piano, clarineta ou cordas.
Graças à fé que Sant’Anna Gomes dedicava a seu irmão, como se já lhe antevisse o futuro glorioso, é que empreendeu junto com Carlos Gomes a viagem até São Paulo. Ele e Tonico deviam ter conversado a miúde sobre o que a capital da Província poderia significar em termos de oportunidade
José Pedro de Sant’Anna Gomes possuía, àquela altura, os mesmos conhecimentos musicais de Carlos Gomes, já que ambos freqüentaram o mesmo sisudo e disciplinador mestre, o pai Maneco Gomes. E, certamente, Sant’Anna – por ter dois anos a mais que o irmão – poderia até ter se desenvolvido mais como violinista dotado que era. Mas, Juca sabia que o Tonico de Campinas possuía uma vocação e imaginação musicais mais que espontâneas. Ele acompanhara de muito perto, como somente um familiar é capaz de fazê-lo, a esperteza e verve criativa do jovem irmão que, já naquele momento, extraía sem nenhum esforço pequenas jóias como as modinhas “Quem sabe?!” e “Suspiro d’Alma”, e a peça para clarineta e piano, “Alta Noite”, que executaria com seu amigo Henrique Luiz Levy. E, assim, contando com o encorajamento de outros acadêmicos que comungavam da mesma tese, a de que Carlos Gomes deveria tentar a sorte em centros musicais mais avançados, Juca impulsionou-o rumo ao Rio de Janeiro e à Corte Imperial.
Chegando a esse novo ambiente, cultivador há algum tempo da tradição musical dos grandes mestres, ali Carlos Gomes colheu suas primeiras consagrações, ao ser apoiado por membros da Realeza e pelo Conservatório Nacional, por mestres que continuaram a lapidar-lhe o talento artístico, como Francisco Manuel da Silva e Gioachino Giannini.
Após os sucessos das óperas ‘’A Noite do Castelo” e “Joana de Flandres”, o jovem Gomes conquistaria de vez o beneplácito de Dom Pedro II e seria, mais uma vez, catapultado para outra grande urbe cultural, Milão, onde se sediava o Teatro Alla Scala, sagrado palco onde somente vultos sagrados como Verdi, Donizetti, Rossini e Bellini pontificavam.
Sant’Anna Gomes, após despedir-se emocionadamente do mano Tonico, que rumava de São Paulo para Santos, retomou o caminho para a Vila de São Carlos, onde acompanharia sempre com fidelidade e dedicação, os passos do predestinado jovem. Quando Carlos Gomes experimentava dificuldades, aqui estava o prestativo Sant’Anna Gomes para mobilizar a tudo e a todos e acudir as carências de seu protegido. Respaldou pessoalmente com vultosos recursos financeiros a montagem da ópera “Il Guarany”, aquela que consagraria Carlos Gomes e firmaria sua posição entre os mais inspirados compositores da época, na Itália. Sempre dedicou ao Tonico o estímulo mais oportuno, a palavra mais animadora e energizante, jamais permitindo que ele desistisse de seus sonhos. Muitos foram os momentos em que Carlos Gomes esteve a ponto de desistir e retornar a Campinas, porém a evocação da fé que Sant’Anna lhe tributava o manteve firme em seu intento. Em cartas Carlos Gomes demonstra sua sincera gratidão para com o mano Juca e inclusive, dedica-lhe a ópera “Fosca”, num testemunho da importância por ele exercida em sua gloriosa trajetória.
Artistas e estudiosos da obra e vida de Antonio Carlos Gomes concordam em um ponto: talvez se não tivesse havido Sant’Anna Gomes, não haveria também Carlos Gomes. Equivale a dizer que o irmão José Pedro de Sant’Anna Gomes desempenhou um papel fundamental na biografia de Carlos Gomes, descortinando todo o seu talento, visionariamente antecipando até onde poderia chegar e, com grande desprendimento e amor fraternal, assentiu em pavimentar-lhe o caminho, ofereceu-lhe os recursos de que necessitava, morais e materiais e, generosamente, repercutiu os seus feitos em Campinas, regendo a música gomesiana como brilhante maestro que foi, sem descuidar de sua própria produção como compositor.
O músico e maestro Sant’Anna Gomes constituiu para a Música em Campinas um importante papel de edificador e consolidador, ao ensinar e formar músicos, ao arregimentar e reger bandas e orquestra de óperas e operetas, ao animar a vida cultural da progressista cidade, deixando sua marca pessoal em nossa história artística, tão profundamente quanto seu pai, Maneco Músico, quanto Carlos Gomes e outros seus descendentes conseguiram fazer. Glória, portanto, a Carlos Gomes, mas também um justo e enternecido preito e homenagem a José Pedro de Sant’Anna Gomes, um irmão como raros.
Sant’Anna foi ainda vereador, juiz de paz, presidente da junta militar, comerciante e empresário. Como compositor, escreveu obras instrumentais (predominantemente quartetos e quintetos de cordas), obras orquestrais, vocais, duas óperas (Alda e Semira, esta segunda, inacabada) e peças para banda. A obra musical de Sant’Anna Gomes encontra-se preservada no Centro de Ciências, Letras e Artes – Museu Carlos Gomes
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