A Fé Vendida
Era uma tarde quente, e o pregador subiu ao palco como uma estrela prestes a brilhar. Suas roupas impecáveis, o cabelo cuidadosamente alinhado e, no peito, um sorriso triunfante. O auditório estava cheio. O povo aguardava, ansioso, por palavras que os conectassem ao divino, por promessas de cura, de bênçãos, de prosperidade. Ele começou, não com uma oração, mas com uma promessa de algo maior, algo que, por um instante, fez o ar tremer de expectativa.
"Deus tem um plano para a sua vida", ele disse. "E hoje, você pode ativar esse plano com uma semente de fé. Uma doação de R$ 100, R$ 500, R$ 1.000, porque quem semeia, colhe."
A frase ecoou como um mantra. A velha senhora no canto, que mal tinha para comprar remédios, chorou de emoção. O jovem que procurava um caminho para sair do subemprego abriu sua carteira com um misto de esperança e desespero. Assim, a fé se transformava em mercadoria, vendida a quem mais desesperadamente precisava dela.
A prática de comercializar a fé não é nova. Desde os tempos de Lutero, que se levantou contra as indulgências vendidas pela Igreja Católica, a religião muitas vezes foi usada como ferramenta de poder e controle. A promessa do céu, ou ao menos de uma vida melhor, sempre foi o produto mais valioso para quem soubesse negociar.
Nos dias atuais, no entanto, o que se vê é uma versão moderna dessa prática, com prédios suntuosos, templos milionários e líderes que mais se assemelham a CEOs do que a pastores. O discurso mudou; agora, é possível comprar bênçãos através de transferências bancárias, cartões de crédito e até criptomoedas. Os fiéis, seduzidos pela promessa de prosperidade, tornam-se clientes fiéis de uma empresa que visa o lucro, e não a salvação.
Muitos desses pregadores justificam sua riqueza com a Bíblia na mão, citando versículos como o de Malaquias 3:10: "Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa; e depois fazei prova de mim, diz o Senhor dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu e não derramar sobre vós uma bênção tal até que não haja lugar suficiente para a recolherdes." A mensagem de generosidade e entrega se distorce para justificar mansões, jatinhos e uma vida de luxo que nada reflete o exemplo de Cristo.
E o comportamento cristão? Aquele que ousa questionar é rapidamente silenciado com acusações de falta de fé, de rebeldia contra a vontade divina. "Não julgueis, para que não sejais julgados" (Mateus 7:1) é o escudo de quem teme ser desmascarado. A crítica, a reflexão e o discernimento, que deveriam ser parte do exercício espiritual, são sufocados por um sistema que prospera na passividade e na obediência cega.
Os líderes religiosos, que deveriam pastorear suas ovelhas, tornam-se lobos disfarçados. Alimentam-se da esperança alheia, enquanto os fiéis, muitas vezes presos ao ciclo de promessas e decepções, continuam a financiar suas extravagâncias. O reino de Deus, prometido nas Escrituras, dá lugar ao reino dos homens, um império de ouro e prata que cresce à custa da fé sincera de milhões.
E, assim, seguimos. A fé, que deveria ser uma ponte para o transcendente, vira uma mercadoria nas mãos de quem sabe explorar o desespero e a vulnerabilidade humana.
Paz profunda ✌ 🙏 🙌 🎅
Por Abilio Machado
Nenhum comentário:
Postar um comentário