domingo, 24 de novembro de 2024

HOJE TUDO PARECE COMPRADO FEITO! _Maria!

  Hoje, domingo ao final da Conferência da Estaca Campo Comprido, encontrei com a Irmã Maria e sua amiga no jardim na lateral da Igreja, e em nossa conversa falamos do passado, dos tempos antigos e ela disse a frase título deste tema, e falei a ela, vou anotar e vou escrever uma crônica sobre... E eis o que saiu, espero que gostem, pois em meio a ficção da história há muitas verdades de minha infância, minha psicóloga vai adorar este meu expurgo emocional...



Tudo Parece Pronto

Outro dia, sentei-me na praça da cidade. Sabe aquelas praças que parecem sobreviventes de um tempo que teima em sumir? Aquelas onde as árvores são mais velhas que qualquer um que passa por ali e as calçadas são gastas de tantos pés que já pisaram, de crianças que já correram, de casais que já namoraram? Pois é. Sentei-me ali, como quem quer escutar o tempo. E o tempo falou, meio sussurrado, como se reclamasse.

Lembro de quando as coisas pareciam ter mais substância, mais história. Um café não era só um copo de líquido quente apressado em um copo descartável. Era uma desculpa pra conversar, pra rir de besteiras, pra passar o tempo. Hoje, tudo parece já vir empacotado, no ponto, pasteurizado. O café é só mais um item no meio do dia corrido, programado pra ser eficiente, mas nunca pra ser vivido.

E não é só o café. Tudo parece assim, feito sob medida pra ocupar, mas não pra preencher. Aquele velho sofá da casa da vó, que tinha uma capa de crochê esfiapada, foi trocado por móveis minimalistas, de linhas retas e tons neutros. Bonitos, eficientes, mas sem história. Sem a marca das conversas, dos cochilos improvisados, dos domingos preguiçosos. O crochê estava torto, mas era de verdade, feito de linha e de paciência, daqueles que demoravam tardes inteiras pra nascer, no ritmo da mão de quem sabia fazer, de quem aprendeu sem pressa.

Hoje, quando ando pela cidade, tudo me parece rápido demais, genérico demais, igual demais. São tantas lojas iguais, tantas fachadas idênticas, tantas opções que se dizem diferentes, mas que no fundo são apenas versões da mesma coisa. A gente entra, escolhe, paga e sai, com a sensação de que algo ficou faltando, de que não houve um encontro verdadeiro, de que as coisas não têm mais a mesma essência.

Até as conversas são assim. Curtas, rápidas, enviadas por mensagens instantâneas, com palavras cortadas, com emojis no lugar de expressões. E quando a gente senta com alguém pra conversar, parece que até a conversa segue um roteiro invisível, um checklist de temas a serem cumpridos antes que o tempo acabe. Tudo parece comprado feito, e não só as coisas, mas os momentos, as sensações. Até as emoções vêm pré-fabricadas, adaptadas para caber nas fotos postadas nas redes, editadas, corrigidas, recortadas até parecerem perfeitas – mas perfeição não é o mesmo que verdade.

Dizem que antigamente era tudo mais difícil. Eu não duvido. Mas talvez era essa dificuldade que fazia a vida ter aquele gosto especial. Não era fácil, mas era único. O cheiro do bolo de fubá que a mãe fazia aos sábados, aquele que às vezes queimava no fundo mas ninguém ligava, porque o cheiro da casa era de casa. Ou das manhãs em que ela fazia orelha de padre na chapa do fogão a lenha, o aroma doce e aconchegante preenchendo a cozinha.

Lembro também dos domingos, quando fazíamos macarrão em casa, com muito trigo espalhado pela mesa. Cortávamos as tiras uma a uma e as deixávamos secar, penduradas como bandeirinhas improvisadas, à espera do almoço que juntava a família. E do meu pai, fazendo polenta na velha panela de ferro, despejando-a fumegante sobre a tábua, onde ela se assentava devagar, como lava vulcânica que esfria e cria uma crosta irresistível.

E havia os potes de vidro com balas coloridas no armazém do Casemiro, que pareciam tesouros esperando pelas mãos de uma criança. As caronas na carroça do Seu Otto, com o balanço suave das rodas de madeira pelas ruas de terra. E os domingos em que eu levava seu almoço ou janta e o acompanhava meu pai, na velha Fábrica Iguaçu, onde ele fazia as rondas, e eu me sentia grande, importante, parte de um mundo que já não existe mais. São tantas pessoas que conheci, tantas que já se foram, mas que permanecem comigo, guardadas na memória de dias que pareciam mais cheios, mais autênticos. Menos vazios e plásticos, enlatados como hoje.

Naqueles tempos, as brincadeiras ao ar livre eram o que tínhamos de melhor. A rua era o nosso reino, e a simplicidade do brincar com pedrinhas, correr descalço e subir em árvores nos fazia donos de um mundo inteiro. O campo da Ilha era nosso Playground, comentei no ônibus na volta: __Quando pequeno conhecia isso aqui como a palma da minha mão. Foram bons tempos, tempos em que a vida era sentida de verdade, de corpo e alma, sem pressa.

Voltei pra casa com a sensação de que, no fundo, estamos todos buscando por algo que já foi. Procurando autenticidade num mundo que se acostumou a se vender pronto, com prazo de validade e manual de instruções. E, talvez, seja por isso que as velhas praças, as que ainda resistem, acabam virando refúgio. Porque, no fundo, a gente sabe: a vida de verdade não é só sobre estar pronto, é sobre viver, errar, e rir do erro.

Neste mesmo dia, ao chegar em casa, peguei uma mimosa que Ronna e Elaine colocaram ontem para mim num pacotinho, devem ter comprado num daqueles pequenos mercadinhos que ainda resistem por aí, pensei eu. A casca estava machucada, e quando abri, vi que uma parte estava estragada. Mas a outra metade estava doce, suculenta, como há tempos eu não sentia. Comi ali mesmo, frente a pia da cozinha, deixando o suco escorrer pelos dedos, e não pude evitar um sorriso. Era um gosto antigo, mas era verdadeiro.

E vim ao computador digitar este texto, pensando que, às vezes, é melhor uma vida imperfeita, feita de pedaços tortos e de erros bonitos, do que uma vida que vem sempre pronta, mas nunca viva.

e é assim... Com um algumas lágrimas pela memória afetiva revivida.


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Abilio Machado: Papai Noel, Neuropsicoartepedagogo ICH, Arteeducador e Massoterapeuta QiGong.

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