Por Abilio Machado
Naquele dia, o homem sentado não escolheu nem o banco da igreja, nem a praça da cidade. Foi parar em um banco de sala de espera de hospital.
À sua volta, pessoas murmuravam em fila, cada uma com sua dor, cada uma aguardando a vez de ser chamada. Na televisão pendurada no alto, desfilavam políticos sorridentes, pastores milionários em paletós cintilantes, gurus digitais vendendo soluções rápidas para o vazio existencial. Todos falavam alto. Todos prometiam. Todos exigiam que alguém acreditasse.
O homem suspirou fundo.
Ali, no meio daquela sinfonia de vozes, lembrou-se de Samuel — o menino que, ainda criança, ouviu a voz que ninguém mais ouvia. Não era propaganda, não era manipulação, não era autopromoção. Era apenas a simplicidade do chamado:
“Fala, Senhor, porque o teu servo ouve.”
Enquanto Samuel ouvia, os filhos de Eli, sacerdotes do templo, se afundavam em corrupção.
Usavam o altar para ganho próprio, abusavam da fé do povo, transformavam o sagrado em mercado.
Era a decadência espiritual de um sistema religioso que já não produzia vida, mas apenas escândalos.
E nesse contraste, um menino se ergue como profeta.
Israel, porém, não queria meninos ouvindo a Deus.
Queria reis.
“Dá-nos um rei, para que sejamos como as outras nações”, gritava o povo.
E Deus, pela boca de Samuel, advertiu:
— O rei tomará seus filhos para a guerra.
— Tomará suas filhas para servirem nos palácios.
— Tomará suas terras, colheitas, impostos, o suor e até a liberdade.
Mas o povo insistiu. E Saul foi coroado.
O homem sentado na sala de espera sorriu, mas era um sorriso cansado, meio amargo.
A história se repetia diante dos seus olhos.
O povo ainda clama por reis.
Hoje não são apenas tronos de ouro, mas cadeiras de poder, púlpitos televisivos, cadeiras legislativas.
Buscamos governantes como se fossem messias, líderes religiosos como se fossem oráculos, influenciadores como se fossem profetas.
E quando um “rei” se levanta, o preço chega.
Chega em forma de promessas não cumpridas, em forma de dívidas, em forma de exploração de fé e trabalho.
O povo, que queria tanto ser como “as outras nações”, acaba sempre refém da sua própria pressa de ter um líder visível em vez de um Deus invisível.
O homem sentado olhou em volta.
Quantos naquela sala de espera não estavam também aguardando um “rei” particular?
Um médico que resolvesse todas as dores.
Um pastor que aliviasse todas as culpas.
Um político que apagasse com decretos séculos de desigualdade.
Todos, de alguma forma, ainda repetiam: “Dá-nos um rei”.
Mas Samuel já havia alertado:
Não é a voz mais alta, não é a figura mais imponente, não é o discurso mais convincente que revela a verdade.
É a voz que se ouve no silêncio.
Aquela que não grita, mas sussurra no coração.
Aquela que não promete coroas, mas exige fidelidade.
O homem, cansado da espera, fechou os olhos por um instante.
Não pediu reis, não pediu atalhos.
Apenas repetiu baixinho, quase como uma oração esquecida:
“Fala, Senhor, porque o teu servo ouve.”
E percebeu que talvez a fé seja justamente isso: não escolher mais vozes, mas aprender a discernir qual delas é realmente divina.
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