O Rei que se Escondeu entre as Bagagens
Por Abilio Machado
Naquele domingo, o homem sentado não estava no banco da igreja, nem no da praça, nem na sala de espera. Escolheu o banco desconfortável de uma rodoviária.
Mochilas empilhadas, malas abertas, barulho de alto-falantes anunciando destinos. Cada passageiro com sua pressa, cada um fugindo ou chegando a algum lugar. O homem apenas observava.
Foi ali, entre malas e bagagens, que sua mente viajou de volta à história de Saul — o primeiro rei de Israel.
Escolhido em resposta ao clamor do povo que queria “ser como as outras nações”, Saul tinha tudo para dar certo. Era alto, belo, imponente. Mas quando chegou a hora da consagração, estava escondido entre as bagagens.
O primeiro rei de Israel começou sua trajetória escondido. E esse detalhe, aparentemente ingênuo, já era prenúncio do que viria: um homem sempre dividido entre a obediência e o medo, entre o chamado e as pressões, entre Deus e as expectativas do povo.
O homem sentado olhou em volta. Quantos “Sauls” ele via na rodoviária?
Homens e mulheres que, ao receberem poder, tentam parecer fortes, mas por dentro ainda se escondem em suas inseguranças. Líderes que, ao assumirem cargos, se tornam reféns da própria imagem.
Gente que vive de aplausos, mas não sabe lidar com o silêncio.
Saul começou humilde, mas terminou paranoico.
Sua maior falha não foi apenas desobedecer a Deus, mas confundir liderança com posse.
Em vez de servir, quis controlar.
Em vez de esperar, quis antecipar.
Em vez de confiar, quis manipular.
E quando Davi surgiu — jovem, corajoso, ungido por Deus — Saul o transformou em inimigo.
O trono, que deveria ser instrumento, virou prisão.
O homem no banco da rodoviária sorriu com ironia amarga. A história não mudou.
Quantos líderes, políticos ou religiosos, não começam como Saul?
Prometem renovação, falam de humildade, posam como servidores do povo. Mas, uma vez no trono, revelam o que de fato são: inseguros escondidos entre bagagens, incapazes de ouvir a Deus, mas prontos para perseguir qualquer Davi que ameace seu poder.
E o povo?
O povo segue pedindo reis.
Segue aplaudindo coroas, segue aclamando quem oferece força em troca de servidão.
A cada geração, o ciclo se repete: um Saul é erguido, o povo se empolga, e o preço vem em forma de desilusões, crises, e até guerras.
O homem fechou os olhos por um instante.
Pensou em como seria diferente se, em vez de buscar “reis” para resolver tudo, o povo aprendesse a ouvir, como Samuel ouviu, a voz que sussurra e não grita.
Mas, até lá, os Sauls continuarão se escondendo entre bagagens, e o povo continuará a procurá-los para coroá-los.
E, sentado no banco da rodoviária, o homem percebeu que talvez a maior bagagem não fosse a que os outros carregavam. Era a dele: o desejo de ter sempre alguém para governar em seu lugar.
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