sexta-feira, 15 de agosto de 2025

O Tempo, o Desespero e Deus


O Tempo, o Desespero e Deus


Por Abilio Machado


“Sem desespero Deus é dono do tempo, e para cada um há seu próprio tempo.”


A frase traz consigo um paradoxo humano: somos seres que vivem presos ao relógio, mas o coração anseia pelo eterno. Entre a urgência das horas e a promessa da eternidade, nasce o desespero.


O tempo na experiência psicanalítica


Na psicanálise, o tempo não é apenas cronológico, mas psíquico. Freud mostrou que o inconsciente não conhece o “agora” como o relógio conhece. Traumas de infância retornam no presente como se fossem atuais; desejos antigos se repetem disfarçados em novas situações. O sujeito pode viver paralisado pelo passado ou obcecado pelo futuro, incapaz de habitar o instante presente.


É nesse hiato que o desespero surge: a angústia de não controlar o que já foi nem o que virá. A psicanálise reconhece que grande parte do sofrimento humano nasce do conflito entre o desejo de acelerar a vida e a impossibilidade de dominar seu ritmo.


O tempo na teologia


Na teologia, o tempo se divide em duas dimensões:


Chronos, o tempo cronológico, medido pelo relógio e pelo calendário.


Kairós, o tempo oportuno, qualitativo, o momento em que o divino irrompe e transforma a história.



Dizer que “Deus é dono do tempo” é reconhecer que, por trás do chronos, existe um kairós invisível que conduz a vida humana. A ansiedade que corrói o coração humano nasce da ilusão de que podemos antecipar o kairós. Porém, para cada ser há um momento que é seu, um ponto onde a graça toca a história pessoal.


Desespero: a prisão do tempo


Kierkegaard descreveu o desespero como “doença da alma”. É a incapacidade de aceitar a própria condição diante de Deus, tentando viver fora do tempo ou contra o tempo. O desesperado ou se apressa para o futuro como se quisesse ser deus de si mesmo, ou se afunda no passado como se já não houvesse esperança.


Do ponto de vista clínico, o desespero se traduz em ansiedade, depressão, impulsividade ou apatia. Do ponto de vista espiritual, ele é a recusa de confiar no tempo divino.


A cura pela integração


Quando a frase afirma “sem desespero”, sugere um caminho de integração. A psicanálise ensina a reconhecer o inconsciente que insiste em prender-nos ao passado; a teologia lembra que o futuro pertence ao Criador. Entre os dois, o sujeito aprende a habitar o presente — um presente sustentado pela confiança.


O paciente que aprende a esperar, que reconhece que sua vida tem um ritmo que não precisa imitar o ritmo do outro, encontra liberdade. E o crente que se abre ao mistério do tempo divino descansa em esperança.


Analogia final


Podemos imaginar o tempo humano como um rio. O desespero é a tentativa de nadar contra a correnteza, seja para alcançar mais rápido a foz, seja para voltar à nascente. A confiança, ao contrário, é aprender a flutuar, deixando-se conduzir, sabendo que o rio não é nosso, mas de Deus.


Assim, viver sem desespero é reconhecer que não somos donos do tempo, mas filhos dele. E que, no mistério da vida, cada um tem seu próprio tempo de nascer, amadurecer, sofrer, aprender, amar e florescer.





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