🌾 Rute – A Semente no Luto
Por Abilio Machado
Sentado em um banco de pedra, diante do cemitério municipal, o homem segura uma certidão de óbito dobrada em quatro partes. Acabara de enterrar uma tia que, embora distante no sangue, era presença firme desde sua infância. Ao redor, vozes falavam de heranças, de ausências e do tempo. Mas ele só conseguia pensar em vínculos — aqueles que escolhemos quando todos os outros falham.
O cheiro de flores baratas e terra molhada trouxe à mente a história de Rute, a moabita. Aquela que escolheu permanecer ao lado de sua sogra Naomi, mesmo sem promessa, sem segurança, sem lar. Quando a vida ofereceu a ela a liberdade de seguir, ela escolheu o amor como prisão voluntária.
"Para onde fores, irei; onde pousares, ali pousarei; teu povo será o meu povo, teu Deus será o meu Deus..."
Palavras que hoje ninguém mais diz com tamanha firmeza — nem em relacionamentos, nem nas comunidades de fé, nem entre irmãos. As promessas viraram cláusulas com validade. Os afetos, moedas de troca.
Rute, por outro lado, lançou sementes no solo árido do luto. Amou uma mulher velha, amarga e pobre. Trabalhou duro para alimentar duas bocas em silêncio. E por isso, foi lembrada — não por ter vencido batalhas, mas por ter amado com perseverança.
Quantos, hoje, amam quando não há retorno? Quantos ficam quando a lógica seria ir embora?
O homem no banco relembra suas próprias perdas: relacionamentos desfeitos, promessas quebradas, amigos sumidos quando a doença chegou. Mas também se recorda de quem ficou. Dos que, como Rute, não foram embora — mesmo podendo.
Talvez, pensou, a verdadeira religião ainda sobreviva nesses pequenos gestos. Não nas grandes pregações, nem nos templos iluminados. Mas nos pequenos campos de Boaz, onde almas fiéis colhem o que resta para alimentar o amor.
E talvez seja isso que Deus ainda procura:
Almas que fiquem.
Amores que plantem.
Gente que, mesmo em terra estranha, escolha amar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário