Por Abilio Machado, falando sobre o caso do pote de doce de leite sem açúcar, onde o valor estava com erro na gôndola e o padre muito conhecido, revoltadissimo e com um desejo imenso de contar o ocorrido foi às redes sociais, e com isso causou a demissão do recém contratado gerente do lugar... cafeteria havanna br em Joinville, Sta Catarina, Brasil... Deixe sua opinião nos comentários e compartilhe... minha crônica:
A bênção não é a doce de leite processado
A fé move montanhas. Mas pelo visto, também move demissões, boicotes e, claro, um pote de doce de leite a trinta e cinco reais. Aleluia.
Joinville, essa meca do café gourmet e da indignação gourmetizada, foi palco do mais novo milagre moderno: a multiplicação da vaidade e do mico em tempo real. Um padre — sim, padre cantor — acompanhado de seu companheiro — sim, companheiro, e sem necessidade de aspas — entrou numa dessas cafeteiras onde o aroma custa caro e o ego vem espumado com leite vegetal. Viu o pote de doce de leite ali, reluzente sob a luz indireta, e decidiu que não era apenas uma sobremesa: era uma provocação divina sem dúvida.
Aproximou-se, provou talvez, ou apenas viu o preço, e do alto da batina ilusória, pois não a usa, acho que tem alergia— ou do figurino de palco, que hoje em dia é quase o mesmo de sua vida secular — ergueu o dedo não em bênção, mas em reclamação. Reclamou. Não do pecado. Mas do valor do doce. Talvez julgasse que os céus estivessem sendo lesados. Ou seu status de celebridade litúrgico-pop acostumado a ser atendido nas mais variadas vontades, com vários seguidores no Instagram e TikTok.
O gerente, pobre alma secular, respondeu. Não com hostilidade, mas com algo infinitamente mais grave na sociedade do espetáculo: assertividade. A câmera mostra. A verdade mostra. Mas não foi isso que se impôs. O que se impôs foi o milagre da influência. Do cancelamento clerical. Da unção com autotune.
Resultado: demissão sumária do gerente. Sim, mais fácil tirar um trabalhador do emprego do que tirar o doce de leite sem açúcar do ego de um padre que já confunde altar com holofote.
O que temos aqui não é mais um caso de clientela exaltada. É teologia gourmet. É o sacramento da curtida. É a confissão pública na timeline. E é preciso dizer: a bênção não está no doce de leite processado, padre. Está no bom senso — esse sim, artesanal, raro, e sem preço.
Que o gerente encontre um lugar onde sua compostura valha mais que uma postagem. E que o padre... bom, que ele vá em paz. De preferência para uma cafeteria com espelho grande, onde ele possa se ver antes de pedir misericórdia por um pote de doce de leite sem açúcar que a minha mente nada ortodoxa imaginou fazer com o companheiro saradão.
E digamos um Amém com gosto de doce de leite. E sem recibo.
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