— “A Árvore Tá Online”
Diz a história antiga — daquelas contadas com voz solene e cheiro de pergaminho — que no meio do Éden havia uma árvore. Não era qualquer árvore. Não dava manga, nem abacate. Dava conhecimento do bem e do mal. Um fruto só e, pronto, Adão e Eva passaram de nuvens e paraíso pra boleto e vergonha.
Eva olhou, desejou, pegou e comeu. E Adão? Comeu também, sem nem perguntar a procedência. A primeira treta da humanidade começou com uma mordida.
Hoje, o Éden tá fechado pra visitação. Mas a árvore? Ah, ela tá viva. E com Wi-Fi.
Se a gente tivesse que dar nome à Árvore do Bem e do Mal dos dias atuais, ela se chamaria Smartphone. Raiz enfiada na palma da mão, galhos que alcançam o mundo inteiro, e frutos… nossa, que variedade.
Tem o fruto da comparação, que você colhe toda vez que vê alguém “vivendo melhor que você” no Instagram.
Tem o fruto do ódio disfarçado de opinião, que dá em penca no Twitter.
Tem o fruto da tentação por clique, que te leva de um vídeo bobo a um buraco negro de pornografia, fake news e teoria da conspiração sobre reptilianos.
E tem o fruto do ego inflado, aquele que faz a gente achar que vale mais pelas curtidas do que pelas atitudes.
A mordida continua sedutora. A diferença é que agora a serpente usa filtro, tem voz suave de podcast e fala de “empoderamento pessoal” enquanto te empurra pra um abismo digital de ansiedade.
Adão e Eva foram expulsos do paraíso. A gente se expulsa sozinho — todo dia — cada vez que escolhe o fruto errado.
A árvore moderna tá em todo lugar: na timeline, na loja de apps, na sala de estar. E a escolha ainda é nossa. Comer ou não comer? Cair ou não cair? Postar ou refletir?
Não que a tecnologia seja o mal. Longe disso. O bem e o mal, como sempre, estão na escolha. Na intenção. Na mordida.
A gente segue sendo Eva e Adão, só que com senha de 6 dígitos e biometria facial. A diferença é que agora dá pra dar “unfollow” no pecado, silenciar a serpente, e bloquear o fruto.
Mas… quem resiste?
A maçã agora é de vidro e tem logotipo. O paraíso somos nós que escolhemos se construímos — ou perdemos — de novo. Todo. Santo. Dia.
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Abilio Machado - Capelão e PG na Docência em Filosofia e Teologia, e outras coisitas mais...
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