sexta-feira, 2 de maio de 2025

Truco: quando o jogo se parece com a vida — e com a alma!

 Por Abilio Machado 

Entre cartas, blefes e gargalhadas, o que o popular jogo de truco revela sobre nossos valores, nossa fé e o modo como lidamos com o mundo?


 ("A Mesa em Dois Mundos: o truco entre luz e sombra")

Nem toda brincadeira é só uma brincadeira. Às vezes, por trás de um grito de “seis!” ou de um blefe bem encenado, escondem-se reflexos profundos daquilo que somos — ou daquilo que estamos tentando esconder. O truco, jogo popularíssimo no Brasil, nos diverte, aproxima e provoca. Mas também pode ser um espelho. Foi com esse olhar — entre a malícia do jogo e a busca por sentido — que resolvi escrever este texto, pois fiquei um tanto perplexo com o que vi e a voz que me batia ao peito, passei a me indagar o quão correto seria tal relação do jogo e da fé que se professa, o quê ou quem traça o limite do que seria um mero entretenimento para o contínuo vício mundano dentro dos Portões Sagrados, mesma discussão levei a reuniões de pastorais catolicas e apmfs quando em suas festas se vendiam bebidas alcoólicas quando delas participava, e vos digo: minhas observações não aguardavam porque atingiam ali o que se procurava - o lucro... Desta feita minha observação é um jogo de azar comum poderia-se dizer.


Truco: Jogo, Malícia e a Vida N'uma Mesa de Cartas

Quem nunca ouviu um grito de “TRUCO!” seguido de risadas, blefes e discussões acaloradas, que atire a primeira carta. O jogo, presente em tantas mesas de bar, festas de família e encontros entre amigos, é mais do que uma simples disputa de cartas: é uma aula disfarçada de diversão.

O truco, mais que um jogo de cartas, é uma representação cultural viva. Presente em encontros familiares, festas de amigos e até rodas de desconhecidos que rapidamente se tornam cúmplices de risadas e blefes, ele carrega uma dose de esperteza, coragem e... malícia.



Breve história do truco


Com raízes que remontam à Europa do século XVIII, o truco chegou à América do Sul por meio dos colonizadores espanhóis e portugueses. No Brasil, se espalhou com rapidez, ganhando versões regionais — como o paulista, o mineiro e o gaúcho. Embora cada um tenha suas regras específicas, todos mantêm o espírito irreverente e desafiador do jogo original.


Como se joga


No truco, as cartas valem mais do que aparentam. As "cartas altas" — como o zap, o sete de copas e o espadão — são disputadas com gritos, blefes e muita encenação. O jogo é jogado em duplas ou trios, e não basta ter boas cartas: é preciso convencer o adversário de que se tem.

O truco é jogado com um baralho reduzido (geralmente de 40 cartas), entre duas duplas ou dois jogadores. O objetivo é vencer rodadas (ou “mãos”) acumulando pontos. O valor das cartas varia conforme a “manilha” da rodada, definida após a virada da carta base. Mas mais do que decorar regras, é preciso entender o ritmo e o espírito do jogo.

Existem jogadas clássicas como pedir "truco" (valendo 3 pontos), "seis", "nove" e até o temido "doze", que aumenta a aposta e coloca o adversário sob pressão. Muitas vezes, vence quem souber sustentar o olhar, fingir segurança ou esconder o nervosismo — mesmo com uma mão péssima.


A malícia no jogo


A alma do truco está no blefe. Jogadores experientes sabem que a melhor mão não está nas cartas, mas no rosto — ou melhor, na expressão. A arte de enganar, dentro do acordo coletivo que sustenta o jogo, torna-se uma virtude momentânea. Porém, aqui está o ponto de reflexão: o que acontece quando essa "virtude" se estende para fora da mesa?


A vida como jogo: analogia necessária


A vida, como o truco, nem sempre revela suas cartas de imediato. Há momentos em que é preciso coragem para apostar alto, mesmo sem garantias. Outras vezes, o blefe é a tentativa de manter a dignidade diante das incertezas. Mas viver blefando, sem autenticidade, nos afasta dos outros e de nós mesmos.


O jogo sob os olhos do Evangelho


Para quem observa a vida à luz da fé, o truco também pode ser analisado com um olhar teológico. Seria errado “enganar” no jogo? Em termos morais, quando todos os participantes sabem que o blefe é parte da brincadeira, não se configura engano no sentido ético. É como um teatro em que todos conhecem o enredo.


Contudo, a espiritualidade cristã — especialmente na tradição da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias — convida a integridade em todas as áreas da vida. Embora a igreja incentive atividades recreativas que fortaleçam os laços familiares e comunitários, ela se posiciona contra qualquer prática que envolva jogos de azar ou atitudes que cultivem desonestidade, ainda que lúdica.

Jesus nos ensinou a ser “simples como as pombas e prudentes como as serpentes” (Mt 10,16). No truco, talvez este versículo ganhe uma camada extra de interpretação: saber discernir quando a astúcia diverte e quando ela destrói.

Assim, o discernimento espiritual nos leva a refletir se o ambiente sagrado de uma igreja seria o melhor lugar para um jogo cuja base é a dissimulação, mesmo que consentida. É um incômodo legítimo sentir que há uma contradição entre a proposta do evangelho e uma prática onde o blefe é celebrado. E talvez, mais do que julgar, essa tensão possa gerar um saudável diálogo.




A enganação e o desejo de ser o “espertalhão”


Do ponto de vista psicológico, jogos como o truco ativam mecanismos emocionais ligados à competitividade e recompensa. Enganar o adversário e vencer pode provocar uma sensação de poder — que, se não for bem administrada, transforma-se em padrão: o da pessoa que precisa ser esperta o tempo todo, até fora do jogo.


O problema surge quando o blefe se estende para a vida real, quando passamos a manipular situações e pessoas como se tudo fosse uma mesa de truco. O “espertalhão crônico” começa a medir seu valor pela astúcia e não pela autenticidade. Esse comportamento, com o tempo, desgasta vínculos e afasta a verdadeira convivência.

Esse desejo constante de competir e “passar os outros para trás” pode se tornar um vício sutil. A pessoa passa a medir seu valor pela astúcia, e não pela autenticidade. Com o tempo, essa postura gera desconfiança ao redor e pode até isolar o indivíduo, que já não sabe conviver sem tentar levar vantagem.


Por outro lado, o truco também pode ser uma ferramenta para refletir sobre limites internos: até onde vou com meus jogos? O que me dá prazer: vencer ou pertencer? Blefar por diversão não é o mesmo que viver de máscaras. Saber brincar com a vida é saudável — desde que a brincadeira não vire regra existencial.


Integridade, diversão e consciência


Truco pode, sim, ser um jogo saudável — desde que jogado com leveza, respeito e no "lugar adequado". 

Minha reflexão creio ser pertinente — e não, não estou sozinho nesse incômodo. Há, de fato, uma tensão natural entre a ideia de um jogo que envolve blefe (ainda que consentido, como no truco) e o ambiente de uma igreja, que geralmente preza por valores como transparência, honestidade e retidão.


Para muitos membros de igrejas, especialmente aquelas com doutrinas mais rígidas — como a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias — o simbolismo do engano, mesmo em um contexto lúdico, pode parecer incoerente com o espírito do evangelho. Isso não significa que toda forma de diversão seja malvista, mas sim que o tipo de diversão importa. Quando um jogo gira em torno da dissimulação, ainda que recreativa, ele pode parecer deslocado num ambiente onde se busca cultivar virtudes como a verdade e a integridade.


Ao mesmo tempo, há quem entenda que o contexto muda o significado. Dentro de um jogo conhecido, onde todos sabem que o blefe é parte da regra, não há necessariamente malícia — seria como um teatro. Ainda assim, para algumas consciências mais sensíveis ou zelosas, a sensação de “normalizar o engano” pode ser desconfortável, principalmente em espaços sagrados.



No fim das contas, a resposta também passa pela intenção, pelo contexto e pelo discernimento da comunidade. Se há espaço para diálogo e reflexão, isso pode se tornar até uma oportunidade de crescimento: por que nos incomodamos? O que isso revela sobre o que esperamos de um ambiente espiritual?

Questiono você:

 _Quando ele se torna símbolo de convivência, riso e parceria, pode até reforçar os laços que a fé tanto valoriza? 

_Mas quando alimenta a vaidade, a trapaça e a competição desmedida, vale fazer uma pausa e perguntar: o que esse jogo está revelando sobre mim?

_Seria uma aceitação necessária para manter membros ativos em frequência, participações, ofertas e dízimos? Mas ao mesmo tempo não seria que os hábitos mundanos se infiltrassem aos poucos em pequenas concessões, numa normatização destes maus hábitos para digamos um bem maior que seria a casa cheia, e o impacto que isso causará nas crianças que presenciam?



E você, já pensou no que o truco te ensina — ou revela? Já viveu situações em que o jogo saiu da mesa e invadiu suas atitudes ou de amigos ou de familiares? Compartilhe nos comentários. Afinal, às vezes, falar de jogo é só um jeito de falar da alma,  se vendo no reflexo do espelho .

A vida não é um truco, mas, às vezes, nos ensina com as cartas na mesa. Que saibamos jogar — e viver — com graça, verdade e sabedoria.



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