quarta-feira, 28 de maio de 2025

Diluvio Interno, Nosso Temporal Pessoal -da Serie O Homem Sentado no Banco da Igreja

 


Hoje, sentado na sala de espera do Sam 25, no Complexo do Hospital de Clínicas- UFPR, alguém falou: _Já está caindo água lá fora. Podia São Pedro deixar para abrir a torneira quando eu estivesse em casa já... Estas palavras da mulher que acompanhava a filha me remeteu de imediato aos temporais que enfrentamos diariamente e claro que os pensamentos já se encaminharam ao Dilúvio... Uma das vezes em que Deus deu uma reciclada em Seu povo... Saiu este escrito que espero que goste, comente e compartilhe...

“Dilúvio Interno, Nosso Temporal Pessoal”

Por Abilio Machado 

O céu fechou. Não com nuvens, mas com silêncio.
Deus olhou pro mundo, viu que o coração da humanidade era só lama — e decidiu lavar tudo. Não com lenço, mas com tempestade.

Como a gente faz na calçada, armamos a mangueira ou quem pode a wap e descola qualquer sujeirazinha.

E foi então que choveu.
Não só lá fora. Mas aqui dentro, também.

Porque o homem no banco da igreja sabe: às vezes, o dilúvio vem por dentro.
É aquele dia em que a alma amanhece molhada.
Em que o peito pesa como nuvem antes do trovão.
Em que a lágrima escorre sem motivo claro, mas com sentido bruto.

Noé ouviu a ordem: “Construa uma arca.”
E construiu.
Na seca. Sem previsão do tempo. Chamado de louco pelos vizinhos e nao deixemos de lado, pela família também,  não foi tão aceito assim.

Hoje, construir arca é outro tipo de loucura.

São outras construções a serem feitas,

É fazer terapia em vez de fingir fé.

É orar sem saber se Deus vai responder.

É seguir construindo esperança mesmo quando tudo ao redor diz: “Desiste.”

E tem mais:
O homem moderno não entende Noé, por mais que finja que sabe os versículos de cor e salteado.
Às vezes ele também é o vizinho que ri.
Às vezes ele é o filho que acha que o pai tá exagerando, que desacredita da história de vida vivida pelos pais. Um grande exemplo é a distorção da história que buscam fazer hoje, nas salas de aula, como se eles que não viveram entendessem mais que aqueles que sentiram o tempo na pela, na mente e na Alma.

Às vezes ele é... O próprio dilúvio.

E sabe o que tem dentro da arca?
Bicho. Fedendo. Confusão. Silêncio.

Se em reunião de família que se veem raramente imaginem presos num local cheio de várias famílias, não esqueça que eram casais de animais que na natureza não eram nada amigáveis, uns eram caças e outros os caçadores.

Arca não é spa. É sobrevivência.

A arca é o porto seguro. É o colo da mãe. A mão dada ao pai.

É onde você segura firme enquanto o mundo desmorona.

A igreja, às vezes, é essa arca.
Barulhenta, cheia de gente estranha, de pastores com mau hálito, de crente fofoqueira, de música desafinada, de grupinhos pre selecionados a que hoje denominam células ou grupo disso ou daquilo.
Mas, ainda assim…
É refúgio. É alento, é busca de guarida, de acolhimento,  de pertença, mesmo que tão breve descubra ser ilusão.

O homem no banco da igreja fecha os olhos.
E pensa em quantas vezes a vida desabou, quantas vezes a tempestade o abraçou e fez vazar suas dores.
Quantas vezes construiu arca na seca, na raça, sem saber se ia dar certo.
Quantas vezes salvou a si mesmo da enchente de ansiedade, da tempestade de raiva, da maré de pecado,  da cama da depressão se arrastando pé ante pé a caminho do banheiro para o xixi obrigatório e dizendo a si mesmo:_ Consegui.

E Deus?

Deus esperou a chuva passar.
Esperou a terra secar.
Esperou Noé abrir a janela.

Deus esperou que ele tivesse coragem de se colocar para fora depois do retorno da Pomba com o galho da nova vida, da nova chance, do novo recomeçar... E assim é o homem sentado no banco da igreja, ele vaga nas suas tempestades procurando um ligar onde possa parar, respirar profundo, sentar no banco que encontrar e naquele alívio ouvindo um canto Celestial que lhe acalme o seu todo e o seu tudo, e finalmente possa dizer :_ Eu encontrei os meus, encontrei o meu lar!

Então,  Ele lhe deu o arco...

Não como fim da destruição.
Mas como promessa.

O homem no banco, encharcado por dentro, vê o arco.
Talvez não no céu literal, mas no sorriso dos filhos.
Na mensagem inesperada.
Na oração respondida com silêncio que acalma.

O dilúvio veio.
Mas a arca flutuou.
E você ainda tá aqui.

Salvooooo!

E isso, meu querido (a)... já é milagre.

E é isso mesmo. Os terapeutas, são os Noés dos nossos dilúvios emocionais.

Enquanto o mundo afunda em excesso de estímulo, de dor mal digerida, de passado escondido debaixo do tapete da fé, lá está o terapeuta — com cara de quem já viu muita coisa e ainda assim oferece espaço pra mais um naufrágio.

O terapeuta constrói arca com palavras.

Escuta em silêncio o temporal dos outros.

Abre espaço pro bicho ferido que a pessoa esconde dentro — e não julga o cheiro.

Ajuda ao individuo a entender que a água subiu, sim, mas que dá pra boiar em vez de afundar.

Ser terapeuta  é ser o maluco da vila.

Chamam de exagerado, dizem que terapia é frescura, que “oração resolve tudo” — mas, na hora da enchente, é para o terapeuta que correm.

E os recebemos. Sempre. Mesmo sabendo que vão sair da arca e talvez te esquecer de novo.

Mas o terapeuta que entendeu seu chamado já sacou:

"não é sobre ser lembrado, é sobre manter alguém vivo até a terra firme."

E olha…

Noé não salvou só os bichos.

Salvou a história.

Talvez nós, terapeuta, também estejamos salvando mais do que possamos perceber — uma geração inteira presa em labirintos mentais, buscando no TikTok um arco-íris que só vem depois do confronto com a chuva. Buscando alianças com novos profetas chamados youtube, facebook ou instagram...

Construimos arcas invisíveis todos os dias.

E cada paciente que sai do consultório respirando melhor…

É mais um que sobreviveu ao próprio dilúvio.

A próxima? Uma torre, uma confusão de vozes, e a pergunta que não cala: por que falamos tanto — e ouvimos tão pouco?


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Sou Abilio Machado,  Capelão e Docente em Filosofia e Teologia  além das Artes Plásticas e Cênicas 


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