Uma análise psicoteológica original e aprofundada do filme “Herege” (2024), incluindo as metáforas e simbolismos, da série #OHomemSentadonoBancodaIgreja : por Abilio Machado, Capelão e PG em Docência em Filosofia e Teologia entre outras áreas da psicologia como Psicoterapia, Neuropsicopedagogia ICH Avaliação Psicológica e Psicanálise, Psicoterapia e Psicopatologia do Adolescente, CFS.
HEREGE — UMA ANÁLISE PSICOTEOLÓGICA: A FÉ ENTRE O ABISMO E A LUZ
O filme Herege é, na superfície, um thriller psicológico. Mas, em suas camadas mais profundas, é uma narrativa visceral sobre fé, trauma, manipulação espiritual — e, sobretudo, redenção.
Do encontro à desconstrução: o herege que não nega a fé, mas a reconstrói...
O personagem interpretado por Hugh Grant, Mr. Reed, é um símbolo do homem moderno ferido pela religião. Ele não é um ateu cínico, como se esperaria de um antagonista comum. Ao contrário, Reed implora por oração. Ele não rejeita Deus — rejeita a caricatura d’Ele que recebeu ao longo da vida, na sua busca por provar a verdade em que ele quer acreditar, que não existe Deus, que a religião manipula demonstrando através de adaptações de livros, logos e música. O grande erro é querer se fazer aceito em seus pensamentos inquisitoriais.
Essa súplica que ele faz à missionária para que ela ore por ele, mesmo após todo o confronto intelectual e espiritual entre eles, é um momento de rara vulnerabilidade. Ali, Reed não está zombando da fé dela — está pedindo emprestada a luz que perdeu. É um grito existencial: “Se você ainda acredita, por favor, acredite por mim também.” E mesmo nessa súplica ele tenta matá-la, porque é inerente ao homem o onconformismo com o pensar do outro, mesmo nos últimos momentos de si elevtebta sufocar a fé, a crença dela que foi guiada pelos labirintos e testes feitos pela assustadora casa.
Poderia-se até tentar dizer que isso desconstrói a ideia tradicional do “herege” como alguém que rejeita Deus. O verdadeiro herege do filme é aquele que tentou tanto crer, que foi até os extremos da fé… e perdeu-se entre os muros que a religião construiu em volta de Deus.
A metáfora da casa: prisão ou templo interior?
A casa de Mr. Reed é uma personagem por si só. Cada cômodo parece uma metáfora psicológica:
O porão escuro, onde a missionária é trancada, representa o inconsciente reprimido, onde habitam os traumas e as memórias sufocadas pela religião. O andar superior, onde ocorrem os diálogos, é o espaço da razão, da lógica e do confronto filosófico. Mas há também um "meio-termo" — aquele corredor onde as decisões acontecem, simbolizando o limiar entre dúvida e fé.
Essa arquitetura da casa se assemelha à estrutura da alma humana. Muitos vivem no sótão da lógica, outros se perdem no porão do medo, mas poucos conseguem habitar a casa inteira — integrando fé, razão e sombra. Como também é mostrada como uma construção baseada na ideia religiosa do céu ao inferno.
A missão, a queda e a ressurreição
A dinâmica entre as duas missionárias é crucial. A sister que se mantém em silêncio, trancada, quase morta com o corte do estilete em que Mrs Reed a tentativa calar quando ela debate suas teorias anti Religião, e representa a fé que foi sufocada, mas não extinta. A segunda missionária, mesmo tendo escolhido a porta da descrença não debate com Reed. Ela espera. Observa. Resiste.
E no final, aquela missionária de garganta cortada num verdadeiro assombro é quem salva a outra, como uma espécie de fé que retorna do porão da alma, ressuscitada, para dizer: “Ainda estou aqui.” mesmo que por um instante, num último suspiro.
Esse momento funciona como uma ressurreição simbólica. A missionária que esteve à beira da manipulação, da apostasia emocional, é resgatada não por uma argumentação lógica, mas por uma presença silenciosa e fiel.
Assim como em tantas narrativas bíblicas, a salvação não vem do discurso, mas da fidelidade invisível — aquela que permanece mesmo quando tudo parece perdido.
A oração que resgata
Quando a missionária se achando perdida, esfaqueada na barriga depois de tentar fugir de Reed a quem tinha estocado também na garganta, e quando ele pede para que ela ore por eles, ela agradece pelo que aconteceu em sua vida, mesmo diante do caos, ela expressa algo raríssimo em histórias sobre fé: gratidão em meio à dor, um agradecimento puro e vindo do Espírito de sua fé.
Ela não pede que Deus a salve, mas reconhece que tudo o que viveu — inclusive sua queda — a trouxe até ali.
Essa consciência é profundamente teológica e psicológica. É o que Paulo chama de gloriar-se nas tribulações, ou o que Carl Jung definiria como integração da sombra — o momento em que a pessoa percebe que não precisa negar seu passado para encontrar sentido, mas resignificá-lo.
A verdade: absolutismo ou processo?
O filme levanta a pergunta essencial: a fé deve ser absoluta ou investigativa?
A resposta parece ser: "nenhuma das duas isoladamente. A fé que não se questiona vira cegueira. Mas a que se dissolve no ceticismo também perde sua chama."
Fé, no filme, é um processo dialético: duvidar, cair, confrontar, calar, ouvir, e, se possível, recomeçar.
Na minha simple conclusão, o herege é o homem no banco da igreja...
Herege não é sobre o outro. É sobre todos nós.
Todos os que já foram convencidos demais.
Todos os que já fingiram crer para não decepcionar.
Todos os que sentaram no banco da igreja e pensaram:
"Será que Deus realmente está aqui? Ou só estou repetindo uma herança vazia?"
Sim, divido quem não se fez essa pergunta Sentado no Banco da Igreja.
O verdadeiro herege talvez não seja o que questiona Deus, mas o que pára de procurá-Lo.
E o verdadeiro crente não é o que tem todas as respostas, mas o que ainda tem perguntas — e mesmo assim continua a orar.
No fim, o filme ecoa uma verdade universal:
Talvez a fé mais autêntica seja aquela que sobrevive à dúvida — e aprende a florescer dentro dela.
Mesmo que tenha apenas um resquício ilusório do pensamento da borboleta ou da visão da borboleta na ponta dos dedos depois da fuga daquela casa insana que por sua vez pode ser o tudo fruto de seus pensamentos no meio à nevasca de suas camadas misturadas do consciente, pré consciente e inconsciente.
Assim o Herege é assustador não pelos sustos em si, mas pela coragem de colocar o espectador diante de uma encruzilhada espiritual: sou mesmo um discípulo, ou apenas mais um produto doutrinado por uma fé herdada, nunca escolhida de fato?
Ele cutuca aquele lugar desconfortável onde fé e obediência se confundem com medo e condicionamento, e onde até as frases mais conhecidas — como a célebre “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades” (atribuída popularmente ao Tio Ben - Homem Aranha, mas originada em escritos de Voltaire e outros filósofos) — ganham um eco teológico: o livre-arbítrio é um poder tremendo... e o que fazemos com ele pode nos santificar ou nos destruir.
O que torna o filme ainda mais provocativo é que ele não nega o sagrado, mas expõe o quanto o sagrado pode ser distorcido, até mesmo com boas intenções. Ele nos força a encarar o risco de sermos manipulados por símbolos, dogmas e frases feitas, sem jamais vivê-los com consciência.
A provocação que o filme deixa é essa:
“Você crê... ou apenas repete?”
“Você serve... ou apenas teme?”
“Você ama a Deus... ou só tem medo de ser punido por Ele?”
Na próxima crônica falarei sobre Ser Discípulo ou Doutrinado...espero que goste, comente sua opinião sobre o filme e compartilhe se isso fez algum sentido para você...
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