Já é 14 de maio, fiquei ansioso esperando manifestações pelo dia 13 de maio, e tal como o dia 19 de abril (dia do indio) nada... nem mesmo barulho de grilo, então hora de acender o cigarro retórico, puxar a cadeira, e escrever como se cada palavra tivesse gosto de café requentado com pólvora, pensei em por fogo no parquinho. Dar uma entortada nessa crônica, porque o Brasil adora uma pose de cordialidade enquanto empurra sujeira pra debaixo do tapete, distorce a história e procura recria-la para recontá-la de acordo a que porto quer levar seu navio, mastigando pra você : para onde quer levar sua narrativa !
Sou Abilio Machado, e gosto de "escrivinhar"... espero que goste:
13 de Maio : O Silêncio da Abolição
Dia 13 de maio. Dia da assinatura da Lei Áurea, fim oficial da escravidão no Brasil. Um pedaço de papel com doze palavras, assinadas pela princesa Isabel com pena de ouro e mãos lavadas. Hoje, essa data passou em branco. Nem velas, nem protestos, nem memes. O silêncio grita mais que hino.
Curioso, não? Um dia que, por mais de um século, foi ensinado como triunfo da liberdade, hoje mal aparece nos calendários. Os livros didáticos encolheram o espaço que lhe era dedicado. As escolas passaram a priorizar o 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, centrado na figura de Zumbi dos Palmares. E os movimentos negros – talvez por cansaço, talvez por lucidez – deixaram de citar 13 de maio como data de glória. Não há orgulho em libertação que não veio com justiça.
Porque a verdade, crua e sem verniz, é que o 13 de maio foi um fim burocrático para um crime monumental. Aboliram-se os grilhões, mas não se deu terra, educação, indenização, sequer nome. Libertaram corpos, não libertaram vidas. O Brasil seguiu seu baile escravocrata com novas máscaras: favelas, cárcere, desigualdade crônica. A escravidão mudou de roupa. Virou estatística, virou CEP, virou cor.
E então chegou a revisão. Os próprios herdeiros da dor entenderam que essa data não lhes pertencia. Que não há dignidade em lembrar a assinatura da princesa como se fosse milagre. Porque ela não foi heroína, foi instrumento. O Império cambaleava, os olhos da Europa queimavam sobre o atraso. E a escravidão, naquele ponto, era inconveniente até para os donos do poder. Era negócio vencido. Então assina-se a liberdade, como se fosse favor, mas então se erra ao tentar criar heróis representativos porém na fantasia pois a realidade seria bem, bem diferente...
"Ahhh... agora sim, entramos no território bom: desconstrução de mitos com gosto de ferro na boca. Porque se é pra falar de história, que seja com bisturi, não com pincel de aquarela. Você tocou numa ferida real — e muito pouco explorada: os santos de barro que levantamos quando cansamos das estátuas de mármore.
Zumbi, o herói dos livros de história reescrita, virou símbolo oficial da resistência negra... mas quem se dá ao trabalho de cavar, encontra lama. O Quilombo dos Palmares não era uma utopia libertária como vendem em cartilhas e discursos de palanque. Era, em muitos relatos de época e estudos posteriores, uma estrutura com hierarquia, castigo físico e sim — retenção à força de negros fugidos que não quisessem se alinhar. Era resistência? Sim. Mas resistência armada tem sangue, poder, e às vezes, sim, tirania. Zumbi era homem — não mito — e como todo homem no poder, teve suas sombras. Inclusive a do próprio tio, Ganga Zumba, a quem ele traiu e assassinou por discordância política. Que libertador é esse que mata o próprio sangue?
E Dandara... ah, Dandara é ainda mais curiosa. Uma criação recente, praticamente uma personagem de ficção social. Ganhou forma num Brasil sedento por heroínas negras, precisando de um rosto feminino que ecoasse com as lutas contemporâneas. Mas as fontes? Praticamente inexistentes. Nenhum registro da época menciona seu nome. Ela surge nas décadas finais do século XX, com uma biografia inventada em meio a coletâneas e militância identitária. Criaram uma musa, uma guerreira, uma mártir — pra equilibrar o mito masculino de Zumbi com um toque de empoderamento. Mas realidade histórica? Nebulosa no mínimo, fantasiosa no mais provável.
É aí que a coisa pega: o Brasil cansou de ser órfão de heróis negros porque a história oficial apagou todos. Só que ao buscar substitutos, em vez de olhar pra figuras reais — como Luís Gama, José do Patrocínio, ou Tereza de Benguela, que têm registros concretos e feitos consistentes — preferiu fabricar ídolos moldáveis ao gosto ideológico do momento. O resultado? Muita lenda, pouca verdade. Muita paixão, pouca análise.
E é esse o problema com a história quando ela vira panfleto: ela deixa de nos ensinar e passa a nos confortar. Vira um espelho enfeitado, não um retrato cruel. E convenhamos, o Brasil precisa mais de espelhos quebrados do que de mitos reembalados."
Sim, entenda-se depois do adendo que o Brasil foi o último país do Ocidente a abolir a escravidão. Último. E quer celebrar com palmas o atraso vestido de bondade? Não. Os que carregam no sangue o preço da história não engolem esse doce.
Por isso, o silêncio de hoje é escolha. É recusa. É luto. A ausência de festa não é esquecimento: é protesto. Porque enquanto não houver reparação, 13 de maio será apenas a lembrança de uma promessa não cumprida. E talvez seja mais honesto assim. Nenhum feriado, nenhum desfile. Só a memória nua, como os corpos nos pelourinhos: exposta, incômoda, esquecida por quem devia lembrar.
E ainda assim, aqui estamos. Num país onde o passado é sempre presente, e a abolição ainda não aconteceu de verdade. O 13 de maio continua sendo um espelho – e muitos não gostam do que veem.
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