As árvores estão nuas.
Por Abilio Machado
Os galhos, que outrora sustentavam verdes mantos e sussurravam promessas ao vento da primavera, agora se erguem despidos, como braços entregues ao céu cinzento de junho. O inverno chegou — e trouxe com ele a crueza da verdade.
Há algo profundamente humano nesse despir das árvores. Quando o frio se impõe, a natureza recolhe-se. As folhas, símbolos de exuberância e vida, caem. Não por fraqueza, mas por sabedoria. O que parece abandono é, na verdade, um gesto de economia vital: deixar ir para preservar o essencial.
E nós, servhumanos — seres a serviço da própria humanidade, ora cúmplices, ora reféns dela — também temos nossos invernos. Nem sempre meteorológicos. Às vezes são internos, silenciosos e quase imperceptíveis aos olhos alheios.
Quantas vezes também precisamos nos despir? De máscaras, de excessos, de relações que não mais florescem. Quantas vezes carregamos folhas mortas por medo do vazio, esquecendo que o vazio também é fértil?
O inverno nos convida à pausa. Convida à introspecção. E como as árvores, que não morrem ao perder suas folhas, mas se preparam para o renascer, nós também precisamos desses períodos de silêncio e despojamento para reencontrar nosso centro.
A filosofia nos ensina que o ser se revela no desvelar — e o inverno, ao desvelar a nudez das árvores, nos lembra de que não somos o que acumulamos, mas o que permanece quando tudo o mais se vai.
E talvez seja isso que nos conecta de maneira tão íntima com o ciclo das estações: a certeza de que há beleza na espera, dignidade no despir, e potência no silêncio.
Porque mesmo nuas, as árvores continuam de pé.
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