A Piada Que Virou Crime
Por Abilio Machado - Ator e Escritor.
No palco iluminado, o comediante observa a plateia com olhos atentos. Ele sabe que seu trabalho é provocar riso — mas também reflexão. Afinal, desde os tempos de Aristófanes, a comédia é um espelho deformado da sociedade: exagera, distorce, satiriza. E é justamente aí que mora seu valor. Mas parece que, agora, esse espelho foi considerado uma arma.
Recentemente, um artista foi condenado à prisão por ter feito piadas durante uma apresentação. Sim, você leu certo: piadas. Em um teatro. Diante de uma plateia que pagou ingresso voluntariamente para rir, pensar, se incomodar talvez — mas jamais para denunciar. A condenação, por mais surreal que pareça, é real. E simbólica. Quando o riso é algemado, o silêncio vira sentença.
O que estamos assistindo é mais do que um ataque a um indivíduo. É um alerta: a liberdade de expressão está sendo tratada como crime de opinião. O palco, que sempre foi espaço de liberdade, agora virou território hostil. A cada dia, damos mais um passo rumo a um regime onde o desconforto do poder vale mais do que o direito à crítica.
O que será considerado ofensivo amanhã? Um texto literário? Um cartum? Uma música? A lista é longa — e assustadoramente subjetiva. Porque, em tempos sombrios, o humor se torna resistência. E é por isso que querem calá-lo. Não pelo que foi dito em si, mas pelo que representa: coragem de pensar, liberdade de questionar, ousadia de rir do que oprime.
A piada não deveria ter ido parar no banco dos réus. Quem deveria estar lá é a censura disfarçada de moral. A justiça que pune o humorista por fazer humor, em vez de proteger o direito à livre manifestação artística, torna-se cúmplice do autoritarismo em construção.
Hoje foi uma piada. Amanhã pode ser uma opinião. Depois de amanhã, o simples ato de pensar diferente.
Sou Abilio Machado - Ator Cênico e Artista Plástico.
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